“A propósito do anunciado desmembramento do Ministério da Agricultura, pela retirada da competência sobre os animais de companhia da esfera da DGAV (Direcção Geral de Alimentação e Veterinária) e respectiva passagem para o ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e Florestas) sob tutela do Ministério do Ambiente e Transição Climática, terá o Senhor Primeiro Ministro consciência da gravidade da decisão que se prepara para tomar?
Saberão os portugueses qual a razão porque é seguro e fresco o peixe que compram na peixaria? Porque foi inspecionado pelos veterinários da DGAV.
Saberão os portugueses porque é seguro consumir a carne comprada no talho? Porque foi vistoriada pelos veterinários da DGAV.
Saberão os portugueses porque exporta Portugal carne de porco e outros produtos para a China e outros destinos? Porque a DGAV abriu esses mercados aos produtores e assegura os padrões de qualidade exigidos.
Saberão os portugueses porque razão exportamos Pêra Rocha para o Brasil, Canadá e outros? Porque a DGAV se empenhou e fiscaliza a qualidade dos mesmos.
Sabem os portugueses porque é seguro consumir a fruta e os legumes produzidos em território Nacional? Porque a DGAV é a entidade que aprova os produtos fitofarmacêuticos que os agricultores podem utilizar e em que condições.
Sabem os portugueses porque tem qualidade o trigo que faz parte do pão que consumimos todos os dias? Porque os agrónomos da DGAV e do INIAV testaram e aprovaram as sementes antes dos agricultores as lançarem à terra.
Sabem os portugueses porque razão os seus animais de companhia, gatos, cães, mas não só, são dos animais mais sãos do mundo e sanitariamente seguros para os humanos, registados e sob apertado controlo de vacinação? Porque os veterinários da DGAV assim o pensaram e controlam, em colaboração com todo o corpo veterinário municipal e privado disperso pelo País.
Sabem os portugueses que a DGAV é um organismo fundamental do Ministério da Agricultura desde há mais de 100 anos? Cem anos não são cem dias. São muitas experiências, muita ponderação, muitas decisões, muitas análises, muitas horas no campo tratando e inspecionando animais, nos matadouros, nas lotas, nos supermercados, nos laboratórios, a desenvolverem todo um edifício de normas, regulamentos e legislação em torno da nossa segurança alimentar, da sanidade dos animais que consumimos ou que nos acompanham, tendo na sua base o conhecimento científico e académico de uma Escola Superior de Medicina Veterinária também centenária e um Laboratório Nacional de Medicina Veterinária.
Poderá todo este conhecimento acumulado, todo este saber exercido, ser posto em causa pelo “capricho” de um punhado de idealistas que não mais pretendem que inverter o valor das coisas, de imporem uma ideologia ignorante e sem substrato, em prol de um mundo que não existe? Não existe porque não é natural. Não existe porque é virtual. Não existe porque é contra o normal progresso e evolução da presença do Homem na terra e das responsabilidades que tem na correcta gestão dos seres vivos sob a sua tutela.
Os trágicos acontecimentos e o triste fim dos animais que morreram queimados há dias em Santo Tirso era algo que estava escrito na história dos dias ainda não vividos. Aconteceu agora e irá repetir-se. Quiçá o próximo episódio possa ser bem pior e mais grave. Como já hoje acontece com os frequentes ataques a ovelhas, bezerros e até vacas, um dia chegará em que uma criança ou um idoso serão violentamente atacados por esses cães e gatos abandonados e errantes.
Não, não é a DGAV a entidade responsável pelo sucedido em Santo Tirso. Pelo contrário, já tinha mandado encerrar aquele espaço. DGAV e veterinários municipais são médicos, não são milagreiros. Fazer o impossível não está ao seu alcance.
Os políticos voltaram as costas ao assunto depois de aprovada a lei que obrigou a chegar onde chegámos. É mais que inconsciência, é desconhecimento, é ilusão, é criminoso!
Está tudo bem na DGAV? Seguramente não. Mas está tudo bem nalgum sítio? O mundo perfeito não existe.
Muito pode e deve ser melhorado, mas o passo que o governo anuncia é mais perigoso do que à primeira vista possa parecer. Está em marcha um plano. Um plano para terminar com o Ministério da Agricultura. A concretizar-se, este será o primeiro passo.
Os que pensaram neste passo pensam já no seguinte, até que o modelo produtivo nacional seja desfeito e arruinado o Mundo Rural.
Sim, os políticos que defendem o fim do nosso modelo de produção e de vida são políticos anti Mundo Rural. Abominam quem consegue viver em harmonia com a Natureza, quem dela vive e convive com os animais, em paz e com conhecimento. Animais de que cuidam, criam e exploram, como desde quando há milhões de anos o Homem percebeu que a única coisa que o distingue dos demais é a inteligência e começou a gerir a natureza.
Um governo que não reconhece na Agricultura um pilar estratégico de desenvolvimento da sociedade e da economia, é um governo que não respeita o seu povo e desvaloriza a Soberania Nacional.
O Ministério da Agricultura tem de se afirmar, de exigir a responsabilidade que lhe é devida, ao invés de se posicionar numa atitude submissa a uma evolução ilusória que nunca se verificará. É o princípio do fim. Pior que não ver… é não querer ver.”
Eduardo Oliveira e Sousa
Presidente da CAP
Artigo publicado no jornal PÚBLICO, 04/08/2020